Criação de arquibancada 'neutra' gera polêmica
Parintinenses discordam da novidade da Tucunaré Turismo: criar uma arquibancada neutra para quem não torce por bumbás.
A festa do boi-bumbá de Parintins (município a 325 quilômetro de Manaus) construiu, no decurso de 100 anos, a história de uma cidade que se divide ao meio, por dois territórios: o vermelho e o azul. Também na ilha se fala que não existe espaço para alguém ficar em “cima do muro” quando o assunto é boi e que a rivalidade é o combustível do festival folclórico.
Porém, uma novidade lançada no início da semana, pela agência Tucunaré Turismo, empresa responsável pela venda de ingressos do festival, provocou a reação de intelectuais, artistas e personagens da tradição do boi-bumbá. A criação de uma arquibancada neutra, no bumbódromo, para atender torcedores que não simpatizam com nenhum dos bois é motivo de nova polêmica. Insatisfeitos com a ideia, parintinenses falam que a mudança resulta em um grande perigo para a cultura da cidade.
O pesquisador Simão Assayag, um dos ícones do Caprichoso, aponta que essa modificação é um risco para o festival. “Isso é perigoso para a festa. Hoje se abre um espaço de cinco metros para os torcedores neutros, amanhã de 10 e, no ano seguinte, vão abrir a arquibancada especial só para eles”, afirmou Assayag, que integra uma comissão do azul que irá organizar o centenário do Caprichoso, em 2013.
O coordenador da Comissão de Artes do Garantido, Fred Goés, também expôs descontentamento com a medida. “Não podemos abrir mão do elemento mais importante da brincadeira que é a rivalidade. Isso fragiliza o critério básico que alimenta e sustenta o festival”, disse Goés. “Ao longo de décadas o festival foi formatado com base de que quem não é Garantido é contrário e abrir mão desse esteio faz com que percamos a nossa força”, acrescenta o coordenador.
Os ingressos de arquibancada especial custam R$ 540 - o pacote para as três noites. E o primeiro lote está esgotado. Na segunda-feira passada, a Tucunaré Turismo começou a vender um novo lote de ingressos ao preço de R$ 700, sem justificar o valor do reajuste. O preço salgado já havia provocado a reação de torcedores. E a única novidade que justifica o aumento é a criação dessa divisão na arquibancada. De acordo com funcionários da empresa, esses ingressos são para acomodar torcedores em um espaço neutro, entre as duas torcidas, mas na mesma arquibancada especial, que fica na área frontal da arena.
Sobre o tema, o cantor e compositor Chico da Silva, autor de toadas nas duas agremiações, abriu outro questionamento. “E esses torcedores neutros vão fazer o que, lá no Bumbódromo? O regulamento não diz que quando um boi se apresenta a outra torcida fica calada? Eles vão poder se manifestar também? Como?”, indagou.
MOTIVAÇÃO
“Não pode mexer em nada sem ouvir o povo de Parintins. Quando chegamos ao aeroporto arrebatamos logo o visitante a torcer pelo nosso boi. O torcedor tem que ir para o Bumbódromo para se manifestar pelo boi da sua preferência. Não se pode acabar com essa motivação”, completou o poeta.
WILSON NOGUEIRA, AUTOR DO LIVRO “FESTAS AMAZÔNICAS”
“A relação dos interesses do boi - principalmente daqueles fincados na tradição - com o mercado sempre será conflituosa. A meta do mercado é o lucro imediato, por isso é alucinante a sua tarefa de criar novos produtos para possíveis novos públicos. Aos dirigentes, brincantes e torcedores dos bumbás Garantido e Caprichoso cabe uma ação permanente para que o mercado não se imponha ao festival como uma máquina de moer. Sem a força e a presença da tradição, a tendência do festival de bumbás é a de se enquadrar na lógica do mercado: tornar-se um produto sem alma, sem referencial de existência. Essa festa não pode perder a condição de ‘festa de contrários’, valor imaginário presente nos brincantes, torcedores, famílias e na geografia da cidade.”
AGÊNCIA É PROCURADA MAS NÃO SE MANIFESTA
A reportagem de A CRÍTICA por três vezes ligou para agência Tucunaré, no telefone de 3234-5071, na tentativa de falar com a diretora-gerente Cristina Abraão. Mas os funcionários que atendiam as ligações informavam que ela encontrava-se em reunião e depois disseram que a gerente já havia saído.
No dia 12 de março, a agência Tucunaré Turismo realizou, na Ilha Tupinambarana, a festa de lançamento dos ingressos do Festival Folclórico de Parintins. O evento, com direito a show folclórico, aconteceu no auditório do Hotel Amazonas River, de propriedade da empresa. Os presidentes dos bois Caprichoso, Márcia Baranda, e do Garantido, Telo Pinto, além do vice-prefeito, Messias Cursino, prestigiaram a cerimônia. A Tucunaré opera em Parintins há 13 anos e, desde 2008, por meio de seção eletrônica, comercializa os ingressos do Festival Folclórico de Parintins.
(A Crítica Digital/Jonas Santos/Foto: Euzivaldo Queiroz